domingo, setembro 14, 2008

“ODEIO OS INDIFERENTES”

“Odeio os indiferentes. Creio que viver signifique ser partidário. Não podem existir os alheios à cidade. Quem vive verdadeiramente não pode deixar de ser cidadão e partidário. Indiferença é abulia, é parasitismo, é cobardia, não é vida. Assim, odeio os indiferentes”.
António Gramsci, «A Cidade Futura», 11 de Fevereiro 1917. (L’Unità)

Não posso dizer que odeie, mas irritam-me sobremaneira as opiniões desdenhosas, superficiais, pedantes de cidadãos bem anafados – mas por vezes de uma ignorância que o maior estádio seria insuficiente para a conter - quando se pronunciam sobre política ou problemas de carácter social.

As frases ocas e já estafadas, mas reproduzidas como sentenças criteriosas - “são todos iguais, a política não me interessa"; "não me quero meter em nada nem quero saber” - conseguem, de imediato, pôr-me a paciência a guinchar.

Praticamente, são a súmula de quem vive as dificuldades do País como se nada tivesse que ver com o que nele sucede; como se não fosse um cidadão com responsabilidades, além de todos os direitos que está sempre pronto a reivindicar com a máxima arrogância; como se não tivesse a mínima obrigação de tentar conhecer quem e como nos governa, quem administra a coisa pública; como se conjunturas económicas ou sociais fossem enredo das habituais telenovelas.

Não se trata de indiferença, mas acima de tudo egoísmo e parasitismo, movidos por um pensamento único: “só existem os meus interesses ou as minhas conveniências”.
Uma convivência civilizada, a modernização e o esforço comum para melhorar a qualidade da vida de todos são conceitos que não entram na lista dos preceitos que orientam o caminho de tais personagens.
A maior tristeza é que não se trata de excepções, mas de regra normal.

Aqui, já me atrevo a dizer que odeio, eu também, esta colectividade de parasitas.

*** ***

São três os flagelos que ameaçam o mundo. Primeiro, a praga do nacionalismo. Segundo, a praga do racismo. Terceiro, a praga do fundamentalismo religioso.
Três pestes unidas pela mesma característica, pelo mesmo denominador comum: a mais total, agressiva e omnipotente irracionalidade. É impossível
penetrar numa mente contagiada por um destes três males.
Ryszard Kapuscinski, «Imperium». (l’Unità)

E se uma mente dessas está contaminada ou dominada, não por um, mas pelos três flagelos?

Junto dos cultores do nacionalismo, o racismo encosta-se, muito à vontade, a esta concepção doentia de pátria. Automaticamente, uma mente imbuída de racismo não vê o mundo com os olhos límpidos da fraternidade, da compreensão e tolerância, visto que há o pensamento dominante: “somos superiores, as nossas nações sobrepõem-se aos demais povos”.
Não é difícil observar que estes dois flagelos atraem-se e são inseparáveis.

A pergunta de quem se não deixou contaminar impõe-se: em que bases se apoia esta supremacia de pátria e de raça?
Usemos a palavra raça por comodidade, pois, neste caso, apenas existe uma: a raça humana, obviamente.

Penso que haja uma só resposta: apoia-se na desmesurada imbecilidade ou então numa tara congénita.
Geralmente, em quem sofre destes delírios, o mal persiste.
Todavia, não é uma disformidade que provoque dó, mas repugnância, pura repugnância.

No que concerne o fundamentalismo religioso, presentemente é o flagelo que mais ameaça o mundo globalizado, como todos sabem.
E também esta praga se pode enganchar a nacionalismos onde vigora uma relegião que se impõe como única.
Os fundamentalistas, e estes somente, crêem-se os detentores do verdadeiro credo e usam esse pretexto para atacar, destruir fés ou países em que não se identificam ou que odeiam.

Assim, as três pragas caminham, harmoniosamente, de mãos dadas.
Alda M. Maia

6 Comments:

At 9:27 da tarde, Blogger Monique Viegas said...

Diante de tudo isso, você alguma forma pra ,mudar esse sistema de conforto?
Digo sistema de conforto porque as pessoas se sentem confortáveis com suas vidas, por isso não houve nenhuma mudança, ainda.

 
At 2:59 da tarde, Blogger Alda M. Maia said...

Boa Tarde!
Um comentário provindo do Brasil é lido com simpatia, agrado e surpresa. Muito obrigada.

O Senhor diz que as pessoas "se sentem confortáveis". Não lhe parece que é nessa filosofia de vida que navegam os egoístas?
A forma ou receita existe: uma séria e profunda educação cívica, não acha?
Os melhores cumprimentos
Alda

 
At 10:51 da tarde, Blogger Monique Viegas said...

Eu quem agradeço Alda!
Sim, concordo com você é puro egoísmo! Esse "sistema de conforto" é o egocentrismo declarado!
Educação cívica com certeza é a solução, mas será que quem pode fazer isso está interessado?
Pois com isso iríamos derrubar esse sistema de exclusão.E quem lucra muito deixaria de ficar com todda a riqueza.
Solução tem! Falta-nos vontade.
Mas felizmente, existem pessoas boas que estão fazendo sua parte. E é isso que me motiva.
Um grande abraço!
Monique

 
At 5:53 da tarde, Blogger Alda M. Maia said...

Agora que conheço o seu nome, sempre bem-vinda a este espaço, Monique.
Quando se começa a ensinar a ler, escrever e contar, há muitos outros conhecimentos que, paralelamente, se podem transmitir desde tenra idade: um destes é a formação de uma consciência cívica.
Quanto ao cidadão adulto, há normas de convivência e comportamento civil que nunca deveriam ser opções, frutos de boa educação ou de conveniência, mas obrigatórios e feitos respeitar. Creio que é neste “feitos respeitar” que as falhas criam “o egoísta, o parasita, o indiferente”.
Um grande abraço
Alda

 
At 11:45 da tarde, Blogger Donagata said...

Excelente post. Gostei muito de o ler. Muito lúcido e muito importante na medida em que retrata, infelizmente, a forma do grosso da população estar.

Também gostei da sua resposta em comentário, creio que à laranjinha, quando refere a importância fundamental de um professor na formação de futuros cidadãos. Mais conscientes dos valores morais bem como das normas mais básicas de exercermos a cidadania.

Um beijo. É sempre muito enriquecedor passar aqui.

 
At 4:24 da tarde, Blogger Alda M. Maia said...

Muitíssimo obrigada pelas suas palavras.
Um beijinho repenicado
Alda

 

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