domingo, setembro 21, 2008

JORNAIS DE REFERÊNCIA

Iniciemos com o conceito que existe sobre o verdadeiro significado daquilo a que se chama um “jornal de referência”.

Antes de mais, trata-se de um bom jornal, e esta é a ideia basilar. Partindo desta premissa, é óbvio que nele esperamos encontrar amplas notícias, assim como os eventos da última hora.

Inerentes a esses eventos, isto é, a tudo o que vai sucedendo de importante ou digno de atenção, nos jornais de referência esperamos, acima de tudo, um desenvolvimento imparcial, por vezes profundo, dos factos, assim como análises e comentários pertinentes.

Deixo de parte os temas literários, artísticos ou científicos que contribuem para a beleza e riqueza de leitura de uma qualquer publicação, pois é sempre desejável que um jornal de referência seja dotado de óptimos colaboradores e excelentes opinionistas: talvez o melhor que o grande jornalismo e a alta intelectualidade, em todos os campos, possam exprimir.

Logo, e sendo essa a minha interpretação, tenho muita dificuldade em aceitar, num jornal que se crê de referência, o populismo e provincianismo a velas despregadas, género tablóide de ínfima qualidade, perante um acontecimento que pode ser muito interessante, mas jamais merecedor das primeiras três, quatro ou cinco páginas, quando estas, para mim, representam o prenúncio do conteúdo e seriedade de um bom jornal.

Domingo passado, dia 14, a minha leitura diária do jornal "Público" foi bastante abreviada. As tais primeiras páginas ficaram para trás: nelas, campeavam as reportagens e os panegíricos tributados à exibição da cançonetista americana, “Sua Graça” Luísa Valéria Ciccone, mais conhecida como Madonna.

Não ponho em discussão o valor artístico e as qualidades de “animal de palco” - não raramente desbragadas - de madame Ciccone. Não diminuo a popularidade da artista. No entanto, fenómenos destes estão muito bem na secção que um jornal, habitualmente, dedica ao espectáculo.

Mudar de jornal? Não vejo escolhas mais atraentes; fiquemo-nos pelo “Público”.

E já que me deixei arrastar pela onda crítica, aqui vai mais uma observação.
O jornal "La Repubblica" chega a Famalicão com um dia de atraso, o que é aceitabilíssimo. Assim, leio o “Público” hodierno e "La Repubblica" do dia precedente.
Estranhamente e com uma certa frequência, a mesma notícia, de carácter internacional, apresenta-se-me, no mesmo dia de leitura, no "Público" e no jornal italiano.
Informo de novo que a data de La Repubblica é a do dia anterior!...

Mas este nosso jornal de referência não se serve das mesmas agências noticiosas ou outras de igual eficiência? Onde está a preocupação da tempestividade?

*** ***

Nos vários jornais portugueses, a coragem de cultivar e exercer, com objectividade, um jornalismo de inquérito não penso constitua – talvez porque, à partida, lhes cortem as asas – um sério empenho.

Quando surgem alguns arremedos desse género, limitam-se a mordiscar, deixam cair o argumento e voam para outros temas mais serenos.
É sempre aconselhável ocupar-se de matérias inócuas. Distender-se, por exemplo, sobre os saracoteios da Madonna não requer grandes acrobacias de inteligência - ou de coragem - nem um apurado espírito de observação.

Vou acenar a um episódio, bem demonstrativo, do que é um corajoso jornalismo de inquérito.

Dois jornalistas do semanário “L’ Espresso” publicaram um amplo serviço sobre a nebulosidade que envolve a corrupção, no escândalo do lixo napolitano.
Título do artigo: “Foi Assim que Envenenei Nápoles”; subtítulo: “As confissões de Gaetano Vassallo, o boss que por vinte anos escondeu os refugos tóxicos na Campânia, pagando políticos e funcionários”.

Dias após a publicação, a polícia (Guardia di Finanza), sob mandado da Magistratura de Nápoles, invadiu a sede e, na redacção da revista, perquiriu a secretária dos dois jornalistas – Gianluca Di Feo e Emiliano Fittipaldi - sequestrou-lhes todos os documentos, assim como os computadores.
Nos mesmos moldes, a perquirição repetiu-se nas respectivas habitações: busca de provas sobre presumíveis fugas de notícias.

Quer a direcção de “L’ Espresso”, quer os dois jornalistas não se intimidaram e publicaram, a seguir, outro excelente serviço, descrevendo o alastramento e conivências com a camorra, nas regiões do Norte de Itália.
Pela segunda vez, intervenção da "Guardia di Finanza": os mesmos actos, num sábado, com a redacção já fechada e os jornalistas ausentes. Elucidativo!
Os intocáveis sentem os rabinhos de palha a arder?

Solidariedade e protestos da ordem e das demais organizações de jornalistas: “tais intimidações são um perfeito ataque à liberdade de informação” - o que é facilmente aceitável. Ademais, segundo afirmam os entendidos, os artigos dos dois jornalistas nada tinham que ver com inquéritos judiciários. (…) Devemos trazer serenidade e equilíbrio na relação entre duas funções, magistratura e jornalismo, que devem ser tuteladas na sua dignidade e independência”. Perfeitamente de acordo.

Aguardo e espero que publiquem um terceiro artigo, e sempre sobre o mesmo assunto.
Recordo que estes jornalistas não devem temer apenas as acções da Magistratura, mas, e mil vezes pior, potenciais atentados da camorra.
Alda M. Maia

2 Comments:

At 11:37 da tarde, Blogger Donagata said...

Alda, será que ainda temos jornais de referência?
Sinceramente, neste momento, tirando um semanário que já faz parte da minha rotina de Sábado, penso que os nossos tablóides pensam mais na notícia que vende do que naquela que vai ajudar a informar ou até a modificar algum aspecto que possa ser, através de meio tão privilegiado, alertado.

Um beijo e um a boa semana.

 
At 4:22 da tarde, Blogger Alda M. Maia said...

Pesquemos dentro do que há. Assim, façamos de conta que existem jornais de referência, não acha?
A sua opinião é perfeita: apenas publicar notícias ou assuntos que aumentem as vendas; outras ideias nem sequer são concebidas.
Continuação de boa semana
Um beijinho
Alda

 

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