sábado, novembro 25, 2006

ASSASSÍNIO DA DEMOCRACIA?

Sigo com igual interesse, quer o que se passa no nosso País, quer na Itália. Agrada-me escrever sobre os acontecimentos que mais atraem a minha atenção. Assim, depois de me informar, de ler os mais variados editoriais e comentários, dou lugar ao meu hábito de criar uma opinião própria (talvez o motivo mais instante por que inventei este blogue tenha sido o gosto de “conversar”, escrevendo).
Paralelamente, é-me instintivo comparar as situações ou tendências que aproximam os dois países.
Se há realidades tipicamente italianas, há outras - a maior parte - que podem adequar-se ao modus faciendi português.

Escrevo prevalentemente sobre os factos italianos? A explicação é fácil: aqui, é tudo um bocadinho monótono; na Itália, sucedem coisas do arco-da-velha!

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IL GRANDE BROGLIO

O mesmo é dizer: a grande falsificação nas últimas eleições legislativas italianas.

Juntamente com a revista semanal italiana, “Diário”, foi distribuído, ontem, um DVD com o título: “Uccidete La Democrazia” – “Matais a Democracia”.

Este DVD é um filme-documento, de noventa minutos, que levanta pesadas acusações sobre irregularidades nas eleições italianas de 9, 10 de Abril e as quais deram a vitória, muito magra, ao centro-esquerda.
Reproduz também o clima de incerteza que se gerou com o evolver do escrutínio: um actor – Elio De Capitani – que personifica uma “garganta profunda”, narra a cena dramática entre o Ministro da Administração Interna e um Berlusconi furibundo.

Os autores desta iniciativa são dois jornalistas sérios e preparados: o director da revista “Diário”, Enrico Deaglio, e Beppe Cremagnani.
A bola de neve rolou, cresceu; nos últimos dias, os meios de comunicação têm dado ampla ressonância ao assunto.
O Ministério Público de Roma, Salvatore Vitello, abriu um inquérito.

A razão do escândalo estriba-se no mistério dos boletins de voto brancos. Contrariando as percentagens normais das eleições precedentes, nestas últimas de Abril, os votos em branco caíram vertiginosamente: nas eleições de 2001, totalizaram 1.692.048; em 2006, foram apenas 445.497. Uma diferença, em menos, de 1.246.551 votos. Exagerado!
Além desta queda aberrante, verifica-se outra anomalia não menos estranha: a uniformidade das percentagens do voto branco verificada em todas as regiões e ilhas italianas: de norte a sul, oscilavam, apenas, entre 1 a 2%!
Dado estatístico praticamente impossível! As percentagens das várias regiões, anteriormente, nunca se assemelharam. Se em algumas regiões se aproximavam de 2,5%, noutras atingiam 9,9%, 8%, etc., como é óbvio.
Ademais, avulta a terceira surpresa: diminuíram os votos brancos, mas não os votos nulos.

Segundo a denúncia dos dois jornalistas, houve uma escamoteação na contagem electrónica dos votos. No percurso das sedes eleitorais para o Ministério da Administração Interna, os votos brancos transformaram-se em votos válidos e encaminhados para o partido de Berlusconi, “Força Itália”.
Pelos vistos, bastam trinta minutos para a criação de um software capaz de manipular os dados. Para tal operação, não são necessárias mais de quatro ou cinco pessoas. Como nasce, este programa desaparece sem deixar rasto.
Esta explicação foi dada a Enrico Deaglio por um técnico informático americano, profundo conhecedor destas trapaças.

Que houve lugar para muitos sobressaltos, desde que se iniciou a contagem dos votos, disso sou testemunha. Segui atentamente os dois dias de eleições – 9 e 10 de Abril - e conforme eram anunciados os resultados, apanhei um valente susto, visto o meu interesse pela vitória do centro-esquerda.
As agências de sondagens falharam estrondosamente os diagnósticos. Os primeiros exit-poll confirmavam os cinco pontos de vantagem da campanha eleitoral para o centro-esquerda. Com o andar do temp, porém, começa o avanço das direitas e as duas coligações, surpreendentemente, caminham a par no número de votos, desmentindo, portanto, todas as sondagens.
As perplexidades foram muitas. O centro-esquerda estava desorientado. A demora no anúncio da vitória alarmou toda a gente, pois tardava a certeza de um resultado inequívoco.

Em face disto, houve ou não houve marosca?

O Berlusconi político sempre me foi extremamente antipático. Politicamente, entendo que aquele homem é a vergonha de Itália.
Nunca se conformou com a derrota. Gritou que existiram “brogli” (falsificações) e quis suspender o resultado eleitoral. O Presidente da República é que não lho consentiu.

A tese actual, na esteira do filme atrás descrito, sugere que não tiveram tempo para levar mais longe a conversão dos votos brancos em votos úteis – por este caminho, nem os nulos escapariam! Resultado, o centro-esquerda ganhou apenas por 25.000 votos! Foi a tal "falta de tempo" que lhe salvou vitória!... E que enfureceu Berlusconi.

Quando acima escrevo que há realidades italianas que podem adequar-se ao modus faciendi português, não me refiro, obviamente, a realidades deste género.

Dado que a magistratura tomou conta do assunto, é possível que se comprove a correcção da contagem e as eleições legislativas italianas continuem válidas. Espero que assim seja.

Em tudo isto, há um aspecto que me agrada: a coragem dos dois jornalistas que se documentaram seriamente e tornaram público o caso, indiferentes às consequências que daí lhes possam advir.
Quando intitularam o filme “Matais a democracia”, a acção deles, paradoxalmente, demonstra que, dentro da democracia, existem fortes antídotos para que tal não suceda.
Alda M. Maia