domingo, setembro 28, 2014

“MANIFESTO POR UM PAÍS”
E SE TAMBÉM INVOCÁSSEMOS JESUS CRISTO?

Manifesto por um país” foi um belíssimo texto publicado, sexta-feira passada, no jornal Público. Transcrevamos o primeiro parágrafo:

 “Quem assina esta Manifesto expressa a sua indignação, seguramente partilhada por tanta mais gente, perante o aviltamento de Portugal e o empobrecimento da esmagadora maioria dos portugueses ao longo dos três anos da troika, e de então para cá. Esse aviltamento traduz-se no ousado enriquecimento de alguns, à custa da dignidade, dos direitos e do valor do trabalho, e consequente fragilidade e miséria na exploração de tantos”.

Os assinantes do Manifesto são várias dezenas – cerca de 61, salvo erro – e denunciam os nomes de ilustres personalidades portuguesas das mais diversas profissões, o que só infunde satisfação e encoraja aplausos.
Tive a surpresa e o prazer de ver o nome de um advogado famalicense. Bem-haja, Dr. Joaquim Louro… ou Loureiro? Erraram o apelido?

Incluo-me naquela “tanta mais gente” que se indigna, sobretudo com a falta de dignidade como a nossa coisa pública é tratada. Não sei perdoar a esta gente, em quem votámos confiadamente, que se arroga o direito de nunca explicar, com clareza, competência e honestidade, todas as medidas necessárias para conduzir o país fora do atoleiro em que precipitou. Enrolam-se em retóricas vazias, muito próprias do politiquês habitual, e nada de novo que possa alimentar esperanças e inspirar confiança.

Sempre entendi que, na administração pública, todas as dificuldades, crises e problemas resultantes de situações mal curadas e que se arrastam, se sacrifícios devem se impostos aos cidadãos, o primeiro passo é uma informação lúcida e objectiva. Seguidamente, uma exposição que todos compreendam e onde as soluções possíveis foram bem estudadas e ponderadas, segundo as realidades do país e jamais sob a imposição de troikas ou algo similar. Quando assim é, os sacrifícios enfrentam-se com mais coragem, compreensão e eficácia.
Desgraçadamente, tais comportamentos estão fora da política que actualmente se pratica, aqui e além-fronteiras.

Nos debates entre políticos, quanta pequenez e pobreza de argumentos! Exponho um exemplo. Não segui nenhum dos debates que foram transmitidos, sobre as primárias, entre os dois candidatos socialistas. Todavia, não descurei a leitura do que os jornais relatavam. Conclusão: omissão total, quer de Seguro, quer de António Costa, sobre um tema de enorme importância actual, isto é, o que diz respeito ao domínio esmagador da finança global na sua expressão mais reles: a finança puramente especulativa; somente o dinheiro a produzir dinheiro. Repulsivo!

Nenhuma política, digna deste nome e em qualquer parte do mundo, enfrenta e corrige estes movimentos financeiros, encaminhando-os para a sua natural função: que a finança seja, acima de tudo, a “infra-estrutura da economia real”.
Desta miserável ausência da acção política a nível global e que deveria ser assunto permanente de quem deseja exercer uma política séria e corajosa, ninguém fala, ninguém denuncia, ninguém ataca com determinação este fenómeno que tantos danos têm causado. Qual a razão ou razões? São facílimas de encontrar. A teia de vários interesses, sempre tão engenhosamente urdida, tudo explica.

O Manifesto de sexta-feira, “de forma a poder pôr fim a esta forma de austeridade que atinge os mais frágeis…”, sugere que sejam tomadas nove medidas, expondo-as claramente.

Todas compartilháveis, obviamente. Porém, com a gente que temos para as pôr em prática, política e administrativamente, serão factíveis? Terá essa mesma gente coragem, saber e diplomacia, (que também é necessária) para as levar ao fim, ampliando-as, se necessário?

Tenho muitas dúvidas. E cheguei ao ponto aonde queria chegar: à explicação daquele apelo ao "Senhor Jesus Cristo".

No passado mês de Agosto, Giovanni Calabrese, presidente da Câmara da cidade de Locri – Sul da Itália, Calábria – enviou uma mensagem Ao “Diviníssimo Senhor Jesus Cristo”:

“Dirijo-me a Ti, em última instância, por não saber a quem mais dirigir-me. Com grande respeito e deferência dirijo-me para invocar o Teu divino auxílio para ajudar-nos a resolver um problema atávico que aflige a Cidade da qual sou guia administrativo, porque escolhido pelos cidadãos o ano passado.
O maior problema da cidade de Locri não é somente a chamada ‘ndranghta, mas parte dos empregados da Câmara (…) Após um ano, sou constrangido a afirmar que só uma mínima parte dos funcionários trabalha em modo sério e honesto. (…) Antes de enviar-Te este meu pedido de ajuda, experimentámos tudo quanto era possível

Qual a culpa dos empregados do Município de Locri? Diariamente, de 125 funcionários que ali trabalham, apenas 25/26 se apresentam ao serviço. 
Relatando vários episódios que bem ilustram o fenómeno, o Presidente descreve todos os meios para pôr fim à praga do absentismo. Faliu. De nada lhe valeu recorrer ao Procurador da República, aos carabineiros, à Guarda Fiscal, etc., etc.

Ilustres Assinantes do Manifesto, visto que a confiança nos partidos que nos regem é escassíssima, à semelhança do apelo de Giovanni Calabrese, mutatis mutandis, não seria aconselhável também invocar o auxílio do “Diviníssimo Senhor Jesus Cristo”?