UMA TRAGÉDIA NA TRAGÉDIA
O abate do avião MH17 da Malaysia Airlines, em
território ucraniano e com 298 passageiros a bordo, é já uma grande tragédia: uma
tragédia absurda e totalmente injustificada.
Porém, dentro de tão grave acontecimento, despontou um
drama ainda mais absurdo e que atingiu todos os cumes a que pode chegar a
barbárie humana. Chamar-lhe-ia uma tragédia na tragédia.
Para além do conhecimento de tantas vidas violentamente
eliminadas, entre as quais dezenas de crianças, impressionou-me a descrição da
queda dos corpos (ou parte deles), os quais choviam do céu e se dispersavam
naqueles campos de papoilas e de milho já com espigas - alguns corpos ainda ligados aos
cintos de segurança.
Para qualquer povo civilizado, um espaço de tanto
horror tornar-se-ia sacro e fechar-se-ia imediatamente, a fim de evitar a
invasão de pessoas sem qualificação para enfrentar e resolver todas as circunstâncias
que urge resolver com seriedade e sensibilidade.
Pelo contrário, naquela parte da Ucrânia e perante uma
tragédia sem fim, a falta de civismo, a falta de piedade por aqueles corpos, o
respeito que mereceriam, tudo isto foi completamente ignorado.
Não ousem a justificação que é espaço de guerra civil. Não há querelas que não contemplem
pausas, sobretudo quando foram imoladas vítimas que voavam a 10 mil metros de
altitude e nada tinham que ver com as politiquices sujas da Rússia, provenientes, na
sua maior parte, de países europeus.
É incrível o panorama que muitos jornalistas puderam
observar e descrever. Os habitantes da zona, e não só, moviam-se à vontade no
meio das vítimas e destroços, semeados por vários quilómetros.
Os chacais aproveitaram a situação e trataram de
aligeirar aqueles cadáveres de dinheiro, jóias, cartas de crédito. Os corpos, à
semelhança de peças metálicos, metidos em sacos de plástico e colocados nas
margens... Prefiro ficar-me por aqui. Demasiado horror e barbárie. Tudo já bem
documentado, aliás.
O que é inegável é o tacticismo dos separatistas
ucranianos e da Rússia em tudo dificultar para mais facilmente fazer
desaparecer provas que os incriminem. Tiveram todo o tempo e oportunidades.
Mas à barbárie explícita e a estas tácticas correspondeu
uma reacção não menos grave: a reacção indolente, indecisa, mercantil da União
Europeia. Não se pode comprometer os interesses económicos, obviamente!
Por que não reagiu imediatamente, exigindo medidas
adequadas e requerendo energicamente a entrada de técnicos, indispensáveis num
caso de tal importância internacional? Como conseguiram digerir o espectáculo triste e deprimente,
prolongado no tempo, daquelas pobres vítimas expostas a uma decomposição,
inevitável, à vista de quem por ali passasse e, mais tarde, encerrados num comboio
de mercadorias com uma alegada refrigeração?
A Holanda perdeu 193 cidadãos. Sendo o país mais lesado,
por que não gritou, bem alto e em todas as direcções, o seu direito a acorrer,
de imediato, ao local do desastre, isto é, do crime? Por que razão somente agora
foi permitida, e tolerada, a entrada dos seus técnicos?
Onde se viu, na União Europeia, uma forte indignação e reacção adequada contra actos absolutamente inaceitáveis em países civilizados como os
que se verificaram no Leste da Ucrânia?
“Os cadáveres dos
nossos concidadãos, saqueados, emporcalhados, derrubados por mercenários agrupados
em nome de uma causa violenta hoje e perdedora amanhã, tentando ocultar,
sacrílegos, as provas da sua intenção criminoso, estarão nos livros de história
de amanhã como acusação feroz a esta Europa, a qual, fingindo detestar a guerra
e falar de paz para fazer negócios, estupidamente semeia a cizânia da próxima
guerra nos confins da União. Que chegará e será cruel” – Gianni Riotta; La
Stampa, 21/07/2014.
Terá razão? No que se refere à Europa, plenamente de
acordo. No que concerne a “próxima guerra nos confins da União”, prefiro ser
optimista. Mas poderemos ser optimistas? Regressam as dúvidas.
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