A FULGURAÇÃO DE “O PORTUGUÊS ATUAL”
Uma cara amiga teve a preocupação de recortar um artigo
do “Jornal de Notícias” com o seguinte título: “Do horror ao amor pela nova escrita”.
Como conhece a minha indefectível discordância sobre o Acordo
Ortográfico, quis recortá-lo a fim de que eu lesse a notícia do lançamento do
livro “Português Atual”, no Porto, no auditório do mesmo jornal. A
autora é a professora e formadora Lúcia Vaz Pedro, cronista do JN.
Esta Senhora Professora, na apresentação do seu livro,
asseriu: “Eu era contra o Acordo
Ortográfico. Quando uma editora me propôs uma publicação sobre ele, quase os
insultei. Tenho uma formação clássica em latim e foi um horror (…) “Dei-me ao trabalho
de me preocupar e perceber o Acordo Ortográfico, que a maior parte das pessoas
não faz”…
E surgiu a fulguração do “português
atual”!
Que me perdoe a gentil senhora Dra. Lúcia Vaz Pedro,
mas este género de fulgurações de Damasco, quando envolve uma intensa
actividade editorial e vários encargos de professora e formadora – o seu
currículo assim o indica - deixa-me muito, mas muito perplexa.
Não vejo esta Senhora como uma profunda e insaciável estudiosa,
mas uma simples profissional da matéria que ensina e sem que isto lhe roube
qualquer mérito, obviamente.
Esclarece que tem uma “formação clássica em latim”; tem
o Curso Superior de Francês e Curso Superior de Italiano. Espero seja lícito
perguntar: toda essa excelente formação e bom conhecimento de línguas
novilatinas não a levaram a confrontar a evolução da língua materna, também
esta língua românica, com as línguas co-irmãs? Certamente que sim, não o quero
pôr em dúvida. Que lhe parece, então, o “português
atual” com a riqueza etimológica das demais línguas românicas?
Como prevê a futura ortofonia da nossa língua materna
com o seu “português atual”? Pensa que não sofrerá alterações? Pensa que não
será afectada … perdão, “aftada”?
Vejamos o que diz Mendes Dos Remédios, na sua “
Introdução À História da Literatura Portuguesa” – terceira edição, 1911 –
acerca das vogais átonas:
(…) Em qualquer
caso e para qualquer vogal, quer pretónica, quer postónica, a observação mostra
a sua fraca consistência, tendendo todas para se abrandarem e enfraquecerem
dominadas pela sílaba principal,
sobretudo quando não são protegidas por alguma consoante.
Isto foi escrito há um século: o mesmo princípio nunca
foi alterado.
Essas consoantes que a falácia dos “comerciantes de
palavras” condenou à decapitação, como a ilustre professora e formadora Lúcia
Vaz Pedro sabe, não são apenas etimológicas, mas diacríticas, importantemente
diacríticas na língua portuguesa. Esta língua que nós, portugueses, falamos e
escrevemos, melhor dizendo: a língua
que, eufónica e ortograficamente, nos identifica. Mas não esqueçamos,
entretanto, os países africanos de língua portuguesa.
A Dra. Lúcia V. Pedro não acha que rasa o
pretensiosismo, quando concluiu que, contrariamente ao seu exemplo, “a maior parte das pessoas não se preocupou
de estudar e compreender o Acordo Ortográfico”?
Não lhe parece que ofende grandes nomes da nossa
verdadeira e alta intelectualidade, e cito apenas um: Vasco Graça Moura?
Não lhe parece que ofende tantos professores do Ensino Secundário
e Superior, escritores e óptimos jornalistas que se opõem tenazmente a este
aviltamento do português de Portugal?
Bem, sempre se disse que “presunção e água benta cada um toma a que quer”. Na presunção, a
Senhora é um exemplo.
São penosas as palavras do director do “Jornal de
Notícias”, quer por falta de originalidade, quer pela pobreza e incongruência de
uma argumentação sem quaisquer bases aceitáveis. Vejamos:
“A importância da
uniformização do português, tal como é o objectivo do Acordo Ortográfico. A
língua portuguesa diz respeito a 244 milhões de falantes em todo o mundo. A
aproximação ao português do Brasil impunha-se pelo plano global em que nos
movemos”. Como europeus, pensamos às vezes de uma forma eurocêntrica, mas hoje
em dia esse pedestal já não é verdade”.
E assim se vende
a mercadoria; assim se espezinha a dignidade de um património cultural, o que
não justifico nem aceito; assim se ofende uma maioria que não aceita
subserviências a falsos conceitos, como a uniformização da língua, o que é uma
grande estupidez, por irreal; assim se publicam livros e medram os autores.
Quero terminar, citando parte de uma carta, que me fez
sorrir, de Augusto Moreno, professor e filólogo – verdadeiro filólogo –
dirigida àquele a quem consideram o maior estudioso da língua portuguesa, o Professor Rebelo Gonçalves, sobre o
Acordo Ortográfico de 1945 – acordo levado ao fim por pessoas competentes e a
quem jamais se lhes aplicaria a classificação de “comerciantes de palavras”.
(…) No tocante ao
Acordo Ortográfico, não quero terminar sem agradecer muito de alma a V. o ter
livrado os meus nervos da tortura que lhes seriam as “Seleções”, os “diretores”,
os “Antônios” e os “barômetros”, se tivessem passado. Ainda bem que não. Só por
isto, eu considero que Portugal obteve uma grande vitória, da qual se devem
todas as graças ao (…) filólogo português.
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