segunda-feira, junho 02, 2014

A FULGURAÇÃO DE “O PORTUGUÊS ATUAL”

Uma cara amiga teve a preocupação de recortar um artigo do “Jornal de Notícias” com o seguinte título: “Do horror ao amor pela nova escrita”.
Como conhece a minha indefectível discordância sobre o Acordo Ortográfico, quis recortá-lo a fim de que eu lesse a notícia do lançamento do livro “Português Atual”, no Porto, no auditório do mesmo jornal. A autora é a professora e formadora Lúcia Vaz Pedro, cronista do JN.

Esta Senhora Professora, na apresentação do seu livro, asseriu: “Eu era contra o Acordo Ortográfico. Quando uma editora me propôs uma publicação sobre ele, quase os insultei. Tenho uma formação clássica em latim e foi um horror (…) “Dei-me ao trabalho de me preocupar e perceber o Acordo Ortográfico, que a maior parte das pessoas não faz”… 
E surgiu a fulguração do “português atual”!

Que me perdoe a gentil senhora Dra. Lúcia Vaz Pedro, mas este género de fulgurações de Damasco, quando envolve uma intensa actividade editorial e vários encargos de professora e formadora – o seu currículo assim o indica - deixa-me muito, mas muito perplexa.
Não vejo esta Senhora como uma profunda e insaciável estudiosa, mas uma simples profissional da matéria que ensina e sem que isto lhe roube qualquer mérito, obviamente.

Esclarece que tem uma “formação clássica em latim”; tem o Curso Superior de Francês e Curso Superior de Italiano. Espero seja lícito perguntar: toda essa excelente formação e bom conhecimento de línguas novilatinas não a levaram a confrontar a evolução da língua materna, também esta língua românica, com as línguas co-irmãs? Certamente que sim, não o quero pôr em dúvida. Que lhe parece, então, o “português atual” com a riqueza etimológica das demais línguas românicas?

Como prevê a futura ortofonia da nossa língua materna com o seu “português atual”? Pensa que não sofrerá alterações? Pensa que não será afectada … perdão, “aftada”?

Vejamos o que diz Mendes Dos Remédios, na sua “ Introdução À História da Literatura Portuguesa” – terceira edição, 1911 – acerca das vogais átonas:
(…) Em qualquer caso e para qualquer vogal, quer pretónica, quer postónica, a observação mostra a sua fraca consistência, tendendo todas para se abrandarem e enfraquecerem dominadas pela sílaba principal, sobretudo quando não são protegidas por alguma consoante.
 Isto foi escrito há um século: o mesmo princípio nunca foi alterado.

Essas consoantes que a falácia dos “comerciantes de palavras” condenou à decapitação, como a ilustre professora e formadora Lúcia Vaz Pedro sabe, não são apenas etimológicas, mas diacríticas, importantemente diacríticas na língua portuguesa. Esta língua que nós, portugueses, falamos e escrevemos, melhor dizendo: a língua que, eufónica e ortograficamente, nos identifica. Mas não esqueçamos, entretanto, os países africanos de língua portuguesa.

A Dra. Lúcia V. Pedro não acha que rasa o pretensiosismo, quando concluiu que, contrariamente ao seu exemplo, “a maior parte das pessoas não se preocupou de estudar e compreender o Acordo Ortográfico”?
Não lhe parece que ofende grandes nomes da nossa verdadeira e alta intelectualidade, e cito apenas um: Vasco Graça Moura?
Não lhe parece que ofende tantos professores do Ensino Secundário e Superior, escritores e óptimos jornalistas que se opõem tenazmente a este aviltamento do português de Portugal?   
Bem, sempre se disse que “presunção e água benta cada um toma a que quer”. Na presunção, a Senhora é um exemplo.  

São penosas as palavras do director do “Jornal de Notícias”, quer por falta de originalidade, quer pela pobreza e incongruência de uma argumentação sem quaisquer bases aceitáveis. Vejamos:
“A importância da uniformização do português, tal como é o objectivo do Acordo Ortográfico. A língua portuguesa diz respeito a 244 milhões de falantes em todo o mundo. A aproximação ao português do Brasil impunha-se pelo plano global em que nos movemos”. Como europeus, pensamos às vezes de uma forma eurocêntrica, mas hoje em dia esse pedestal já não é verdade”.

 E assim se vende a mercadoria; assim se espezinha a dignidade de um património cultural, o que não justifico nem aceito; assim se ofende uma maioria que não aceita subserviências a falsos conceitos, como a uniformização da língua, o que é uma grande estupidez, por irreal; assim se publicam livros e medram os autores.

Quero terminar, citando parte de uma carta, que me fez sorrir, de Augusto Moreno, professor e filólogo – verdadeiro filólogo – dirigida àquele a quem consideram o maior estudioso da língua portuguesa, o Professor Rebelo Gonçalves, sobre o Acordo Ortográfico de 1945 – acordo levado ao fim por pessoas competentes e a quem jamais se lhes aplicaria a classificação de “comerciantes de palavras”.

(…) No tocante ao Acordo Ortográfico, não quero terminar sem agradecer muito de alma a V. o ter livrado os meus nervos da tortura que lhes seriam as “Seleções”, os “diretores”, os “Antônios” e os “barômetros”, se tivessem passado. Ainda bem que não. Só por isto, eu considero que Portugal obteve uma grande vitória, da qual se devem todas as graças ao (…) filólogo português.