segunda-feira, julho 14, 2014

VOZES COM ESTE EQUILÍBRIO DEVERIAM SER
MAIORIA ESMAGADORA 

Transcrevo um artigo do conhecido escritor e dramaturgo israelita, Abraham B. Yehoshua, publicado ontem no jornal “La Stampa” com o seguinte título: "Não são terroristas, mas somente inimigos". 
Sempre admirei o equilíbrio e bom senso deste escritor. Só lamento que não haja, em todo o Médio Oriente, uma maioria esmagadora de vozes como esta a iluminar definitivamente aqueles cérebros embrutecidos por guerras e guerrilhas - de ambos os lados - que nada mais compreendem senão violência, represálias, intransigências.
Há uma grande percentagem de israelianos pacifistas e cansados de guerras. Uma renovação dos próprios dirigentes seria mais que oportuna.    


********

“NÃO SÃO TERRORISTAS, MAS SOMENTE INIMIGOS”
Quando o Estado de Israel foi fundado em 1948, os jordanos bombardearam Jerusalém, puseram-na sob assédio e mataram centenas dos seus cidadãos. Os combatentes da Legião Árabe conquistaram os centros hebraicos de Gush Etzion, na Judeia, trucidaram muitos israelitas e assassinaram, a sangue frio, numerosos prisioneiros.
Mas durante todos aqueles meses de guerra, dura e brutal, ninguém definiu os jordanos “terroristas”. Eram “inimigos”.
E apesar do derramamento de sangue, houve contactos entre oficiais israelitas e jordanos para chegar a um acordo de um cessar-fogo e a assinatura de uma trégua precária, obtida em 1949, graças à mediação das Nações Unidas.

Antes da “Guerra dos Seis Dias”, em 1967, os sírios bombardearam os centros habitados da alta Galileia, mataram e feriram não poucas pessoas. Todavia, ninguém definiu a Síria “Estado terrorista”, mas sim “Estado inimigo”. E não obstante o Egipto e Síria declarassem abertamente a sua intenção de destruir Israel, o Primeiro-Ministro israelita, em cada abertura do ano parlamentar, lançava um apelo aos seus líderes para que aviassem colóquios, a fim de restabelecer a calma e atingir um acordo de paz.

Que sucedeu, portanto, depois do retiro de Israel da Faixa de Gaza, a evacuação dos colonatos hebraicos e a transferência do controle de Gaza para o Hamas, que nos impeça de definir o seu governo “inimigo” em vez de “terrorista”?

Porque este adjectivo é mais incisivo do que o adjectivo “inimigo”? Ou sugere que, lá no fundo do coração, ainda vemos a Faixa de Gaza como parte da Terra de Israel, um lugar onde tentáramos, sem sucesso, de nos instalarmos e ao qual talvez esperemos regressar e, portanto, não consideramos os seus habitantes como cidadãos de um Estado inimigo, mas como árabes israelianos entre os quais operam células terroristas?

Ou talvez nos apercebamos de um sentido de responsabilidade para com a população de Gaza - contrariamente ao que se passava com os habitantes da Síria ou Egipto - e, por esse motivo, continuamos a fornecer-lhe carburante, electricidade, alimentos e, ao mesmo tempo – e esta é a coisa mais importante – recusamo-nos propor ao Governo de Hamas de negociar connosco, exactamente como o fizemos, no passado, com sírios, jordanos e egípcios?

É possível que todas estas perplexidades e complicações derivem do temor que eventuais colóquios com Hamas para um cessar-fogo e uma trégua estável possam “enfraquecer” Abu Mazen. Mas, provavelmente, os mortos em Gaza enfraquecem ainda mais aquele que se considera o líder do povo palestiniano. E também supondo que seja esta a nossa preocupação, resta a pergunta: por que razão não soubemos aproveitar o Governo de Unidade Nacional palestiniana, recentemente instituído, e do qual Hamas é membro, a fim de aviar um diálogo com esta organização?

A intensa frustração de Hamas deriva, na minha opinião, de uma substancial falta de reconhecimento da sua legitimidade aos olhos de Israel e de grande parte do mundo. Uma frustração que o leva a cometer devastantes actos de desespero. Por esta razão, é importante considerar Hamas, pelo menos como um inimigo legítimo com o qual poder chegar a um acordo ou contra o qual combater, num embate armado frontal, e com tudo o que isto comporta. Foi assim que agimos no passado com os países árabes.

Enquanto definiremos Hamas um bando de terroristas que se sobrepôs a uma população inocente, não poderemos parar os bombardeamentos no Sul de Israel com uma adequada reacção militar. Mais importante ainda, não poderemos negociar abertamente com o seu Governo para chegar a um acordo gradual que compreenda uma supervisão internacional da remoção dos mísseis da parte de Hamas e do bloco aéreo, marítimo e terrestre de Gaza por parte de Israel, além de abrir passagens na fronteira para permitir o trânsito de trabalhadores, assim como eventuais corredores de trânsito seguro entre Gaza e a Cisjordânia.

Mas se, dirão os mais cépticos, Hamas não desejará negociar connosco? Neste caso, propor-lhes-emos de o fazer no âmbito do Governo de Unidade Palestiniana. E se mesmo assim continuasse a recusar, então combateremos em forma legítima, segundo as regras da guerra.

Não esqueçamos, todavia, que os palestinianos de Gaza são nossos vizinhos para a eternidade, como nós o seremos para eles. Não sanaremos este abcesso sangrento com discursos sobre terrorismo, mas com o diálogo ou com a guerra, lutando contra um inimigo legítimo para o qual não  temos reivindicações territoriais nem qualquer outra pretensão que não seja a de um cessar-fogo. – Abraham B. Yehoshua; 13 /07/2014 -  La Stampa