GRANDE VACUIDADE E POUCA
SERIEDADE
Li com a tenção
merecida o texto integral do Manifesto: “Preparar
a reestruturação da dívida para crescer sustentadamente”.
Começo por dizer que me
impressionou o seu equilíbrio e ponderação; que admiro esta iniciativa pela sua
dignidade, bom senso e representatividade de uma opinião muda, mas generalizada
no país. Finalmente!
Oxalá que, mercê
deste exemplo, muitas e muitas outras vozes se levantem, dentro do mesmo
equilíbrio, e dêem a conhecer um país que tem dignidade e capacidades para
enfrentar a dura realidade com todos os sacrifícios necessários e
incontornáveis, mas sem abdicar do pundonor que rege a sua soberania e a sua
longa história.
Foi pensado e escrito
com uma linguagem clara e acessível à maioria dos cidadãos. Não me parece,
portanto, que a sua leitura possa oferecer a mínima dificuldade de entendimento
aos iniciados na matéria em questão ou até mesmo àquela claque de ignorantes que
ocupa as bancadas institucionais.
Mas, pelos vistos, a
palavra “reestruturação” alarmou e provocou uma caterva de reacções de
inusitada violência verbal. Uma violência, todavia, pejada de grosserias e argumentos
papagueados: nenhuma reflexão original, nenhuma ideia bem estruturada que se
afastasse dos sólitos conceitos de submissão aos credores, à finança
especuladora, a troikas que tudo isto representa.
É assim tão
comprometedor falar de “reestruturação”? E por que razão não se deveria rever, isto
é, dar nova estrutura a uma dívida cuja taxa de juros determinada pela troika se
aproxima mais da especulação que de uma taxa equânime? Não chamem a isto
solidariedade nem pretendam genuflexões a quem impôs e continua a impor condições
deste jaez.
Não creio,
consequentemente, que seja inoportuno relembrar e especificar concretamente o
que significou, para a Alemanha, o “Acordo de Londres sobre a Dívida Externa
Alemã, de 27 de Fevereiro de 1953”. Bem pelo contrário, é assunto muito
pertinente.
O Manifesto foi bem
claro e insistiu neste conceito: “Prosseguir
as melhores práticas de rigorosa gestão orçamental no respeito das normas
constitucionais, bem como a discussão de formas de reestruturação honrada e responsável da dívida no âmbito de
funcionamento da União Económica e Monetária”. (o sublinhado é meu).
Mas, pior do que
diabolizar o termo “reestruturação”, foi a interpretação capciosa e aldrabada
do texto do Manifesto. Ou não foi lido ou, descaradamente, inventaram o que os
subscritores de forma alguma expressaram, como o perdão da dívida ou o não
pagamento da mesma.
O que de negativo
escreveram vários comentadores, económicos ou não, não me surpreende nem
escandaliza. Absoluto respeito pelo direito de opinião.
Se me é permitido, todavia,
aconselhá-los-ia a serem cuidadosos e jamais efectuarem leituras superficiais de
documentos sobre os quais pretendem tecer comentários. Imperdoável, então, quando
se escreve baseados apenas no alarido. Evitariam muitas mentiras, tristes
figuras e distorções do que se ignora. Absoluto desprezo pela credibilidade,
obviamente.
E cheguei ao ponto mais
desconcertante. As reacções de vários políticos que lavraram sentenças sem terem lido o documento ou o leram com ideias preconcebidas. Como exemplo, citemos
o que asseriu Paulo Rangel acerca de um perdão da dívida que os signatários do
Manifesto não solicitaram, mas que para ele era implícito: “ a desconfiança total dos mercados, afectava
a economia, porque 25% a 30% da dívida está em mãos nacionais e implicava um
segundo resgate como a Grécia”.
Não entendi muito bem
este arrazoado. Que mensagem quis transmitir?
É triste verificar a
vacuidade de pensamento e a pouca seriedade como tantas figuras da nossa política contestam ou manifestam opiniões discordantes.
Dada a formação
intelectual de Paulo Rangel, esperar-se-ia mais originalidade e uma reflexão
mais aprofundada na sua discordância. Mas muito banalmente, também ele caiu no
psitacismo argumentativo que contaminou todo o país.
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