segunda-feira, outubro 29, 2012

DUAS SENTENÇAS EXPLOSIVAS

Segunda-feira, 22 de Outubro 2012, um tribunal italiano - Tribunal de L’Aquila – aplicou penas severíssimas aos cientistas da “Comissão de Altos Riscos”, órgão de consulta do Departamento da Protecção Civil. A motivação alicerça-se na falta de uma informação atenta e completa, da parte destes responsáveis, sobre os perigos dos 200 tremores de terra registados e que de há quatro meses assolavam a cidade de L’Aquila e zonas limítrofes - região de intensa actividade sísmica.
Ninguém ofereceu instruções calmas, tranquilizadoras, civis, informantes”. (Massimo Gallucci, médico que conseguiu salvar-se, juntamente com a esposa e filha, através de mil perigos).

Esta sentença, como todos os meios de comunicação amplamente informaram, teve grande ressonância a nível global, sobretudo no mundo da ciência que, na sua generalidade, a classifica como inconcebível, inadmissível, absurda, perigosa, estúpida. “Os terramotos não se podem prever”: este é e foi o leitmotiv de todas as críticas, e com razão, segundo dizem os entendidos. 

Seis anos de prisão, interdição perpétua no exercício de cargos públicos, indemnizações elevadas: efectivamente, é uma sentença dura e de difícil compreensão. Porém, antes de bradar ao absurdo, estúpido, etc., etc., seria aconselhável adquirir informações completas sobre os pontos de acusação deste processo, visto que o alarido em defesa da ciência ultrajada não os analisou. Se o tivesse feito, evitar-se-iam conclusões precipitadas e análises excessivamente retóricas e superficiais.
Na cidade de L’Aquila não foi emitido um juízo contra a ciência, mas contra o colapso da comunicação da ciência (Scientific American).

Houve um imperdoável comportamento do presidente do Departamento da Protecção Civil, Guido Bertolaso, em esconder os perigos ínsitos na persistência dos tremores sísmicos. Embora os cientistas da “Comissão de Altos Riscos” advertissem da gravidade da situação, o Sr. Bertolaso – já sob investigação por irregularidades na protecção civil - levou-os a dizer o contrário, por meras conveniências administrativas. Serviu-se da Comissão, ficando ele na sombra.
A pena máxima deveria ser aplicada a este indivíduo; aos cientistas, um pesado voto de censura por tanta ligeireza. Mas, são nomeados pelo Governo e não quiseram contrariar ordens superiores. É lamentável que tivessem sido tão cordatos.

Telefonema, muito esclarecedor, do presidente Guido Bertolaso, a Daniela Stati, assessor regional, em 30/03/2009, após um enésimo tremor, mas desta vez de magnitude mais intensa (4,1 graus). Este telefonema veio a lume nestes últimos dias:
Chamar-te-á De Bernardinis, o meu vice-director, a quem disse para efectuar uma reunião amanhã em L’Aquila, sobre este caso do “enxame sísmico” (série de tremores sísmicos de pequena intensidade) que continua, a fim de calar imediatamente qualquer imbecil, aplacar ilações, preocupações… Eu não irei, mas irá Zamberletti, Barberi, Boschi, as sumidades do terramoto na Itália. Disporei para que se reúnam em L’Aquila, aí na tua secção ou na Prefeitura - decidi vós, pois a mim não interessa nada - de maneira que seja mais uma operação mediática, compreendeste? Assim, eles que são os máximos especialistas de terramotos dirão: é uma situação normal, são fenómenos que se verificam… É melhor que sejam 100 tremores de 4 graus da escala de Richter que o silêncio, porque cem tremores servem para libertar energia e nunca se verificará um forte tremor, aquele que dói… Fala com De Bernardinis, decidi onde efectuar esta reunião amanhã, e que não é porque estamos assustados, mas porque queremos tranquilizar a gente”. (o sublinhado é meu)

No dia 06 de Abril 2009, às três da manhã, na cidade de L’Aquila, um terramoto de magnitude 5,8 graus: 309 vítimas, 67.179 desalojados, 23.000 edifícios lesados. (fonte, La Repubblica)

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Poucas linhas para a segunda sentença explosiva (por inesperada), pois a comédia ainda não atingiu o clímax certo e os actos sucedem-se. Aguardemos. Oxalá permaneça no cómico.

Depois de pôr um Parlamento a inventar e aprovar leis (não menos de 18) ad personam, mas nefastas para uma justiça célere, justa e equilibrada; depois de os seus advogados de defesa – um deles eleito senador – terem recorrido a todos os artifícios e manhas consentidas por lei; depois de recorrer a todas as desculpas ou leis aprovadas ad hoc para não se apresentar diante dos juízes, enfim, depois de tantas porcarias destas, o rato espertalhão - o inefável e ex-Primeiro-ministro Sílvio Berlusconi - foi caçado.

Fraude Fiscal; “normal tendência para delinquir”. Logo: quatro anos de prisão, mas três indultados; cinco anos de interdição de funções públicas (pubblici uffici) e três da gestão de empresas; indemnização de 10 milhões de euros ao Fisco.
Mas a infindável telenovela berlusconiana continua.

O homem clamou contra o encarniçamento judiciário, fingindo ignorar que quem não quer ser lobo não lhe veste a pele e porta-se como pessoa decente. Novamente se porá em campo, a fim de “salvar a Itália da magistratocracia, pois isto só acontece num país bárbaro e onde não há democracia”. Por quem Deus nos manda avisar!
Numa conferência de imprensa, acusou Mário Monti, Merkel e que retirará a confiança ao Governo. Se mais não fosse necessário ou mais não houvesse, bastaria esta irresponsabilidade e indignidade do indivíduo para procurar todos os meios legais de, politicamente, o neutralizar, sobretudo neste período tão difícil. Quanto dano tem causado à Itália!

segunda-feira, outubro 22, 2012

REACÇÕES AO NOBEL DA PAZ 2012

Esta atribuição do Nobel da Paz à UE e que foi vista por uma grande parte das opiniões como inusual ou talvez estranha, inevitavelmente deu origem a uma larga onda de reacções: de aplauso incondicionado (talvez a maioria); de contestação; de crítica e de sarcasmos.
Numa síntese limitada, vejamos o que disseram algumas personagens ilustres – afora os comentários “obrigatórios” da quase totalidade dos dirigentes dos Estados membros – e o que os jornais publicaram.

Primeiro, transcrevo alguns excertos das motivações deste Nobel da Paz à União Europeia (traduzo do italiano):
“O Comité decidiu atribuir o prémio Nobel da paz 2012 à União Europeia. A União e os seus membros, ultrapassadas seis décadas, contribuíram para o progresso da paz e da reconciliação, da democracia e dos direitos humanos na Europa.”
“Durante os anos da guerra, o Comité norueguês atribuiu o reconhecimento a pessoas que trabalharam para a reconciliação entre a França e a Alemanha. Desde 1945, a conciliação tornou-se realidade.”
[…]
“Nos anos 80 do século passado, a Grécia, Espanha e Portugal entraram na União. A instauração da democracia foi a condição essencial para as suas adesões. A queda do muro de Berlim tornou possível o ingresso de numerosos países da Europa central e oriental, abrindo uma nova era na história da Europa. As divisões entre Este e Oeste, em grande parte terminaram, a democracia foi reforçada, muitos conflitos sobe base étnica foram resolvidos”.
[…]
“A União Europeia está a enfrentar uma difícil crise económica e fortes tensões sociais. O Comité do Nobel quer concentrar-se no que considera o mais importante resultado da UE: o empenho coroado de sucesso para a paz e reconciliação, para a democracia e os direitos humanos. O acto de estabilidade exercido pela União ajudou a transformar grande parte da Europa de um continente de guerra num continente de paz. O trabalho da UE representa a «fraternidade entre as nações»; constitui uma forma de «congressos de paz» aos quais se referia Alfred Nobel, em 1895, como critério para o prémio Nobel da Paz”.

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 “É preciso mais alguma razão para justificar o Prémio Nobel da Paz? Provavelmente, não.” – Teresa de Sousa na sua excelente análise, no jornal Público de 13/10/2012.
Efectivamente, não. Não são necessárias mais ou quaisquer outras razões.

O primeiro-ministro inglês, David Cameron, não se pronunciou sobre este evento – o único líder dos 27 países da União. Não surpreende.
Pelo contrário, os jornais britânicos foram prolixos nas críticas e sarcasmos.
Eis um apanhado de Enrico Franceschini, no jornal La Repubblica:
 Um prémio à idiotice” (Daily Mail). “Uma decisão frívola” (Times). “Uma anedota cruelDaily Express). “Só é lamentável que seja demasiado tarde para os herdeiros de Alfred Nobel pedirem a restituição do seu dinheiro” (Daily Telegraph).
Hugo Rifkind, editorialista do Times, enveredou pelo humorismo, propondo um questionário e respectivas respostas. Primeira pergunta: Qual era o escopo fundamental da EU? Resposta: Uma terceira tentativa de dominação europeia por parte da Alemanha, e desta vez funcionou”.
Poder-se-á defender o contrário? Difícil.
Segunda: Que aspecto tem o perfeito homem político europeu? Resposta: A moralidade sexual de Dominique Strauss Khan e o físico de Sílvio Berlusconi. Aqui, a gargalhada foi irreprimível.  

Romano Prodi, ex-presidente da Comissão Europeia:
É a demonstração que a Europa não é dos banqueiros, da finança. Atrás dos choques, tensões e das cimeiras que não funcionam existe um desígnio que, lentamente, vai na direcção justa, arrostando com todas as dificuldades, os egoísmos, as incertezas e passos de retrocesso. Para além do quotidiano, frequentemente amargo, há um médio e longo período nos quais a democracia e os direitos humanos avançaram, apesar de tudo. È este o Prémio da Paz à UE.

Jürgen Habermas, filósofo e sociólogo alemão.
Excertos de O Apelo de Oslo”, artigo de Jürgen Habermas, no jornal La Repubblica de 13/10/2012
O facto que o prémio Nobel da Paz tivesse sido conferido à UE, precisamente numa altura em que a União é mais débil do que em qualquer outro momento da sua história, eu interpreto-o exactamente como um apelo implorante e extremo às elites que hoje vemos agir, dentro da crise, sem coragem e sem perspectivas. […]
Actualmente, nós, europeus, obstinamo-nos em permanecer parados e silenciosos no limiar de uma União a duas velocidades. Por esta razão, eu interpreto a escolha de conferir o Nobel da Paz à União Europeia também como um apelo à solidariedade dos cidadãos, aos quais competiria dizer qual Europa desejam.
Somente o aprofundamento das instituições no «KernEuropa», no âmago da Europa, poderá conseguir domar um capitalismo que se tornou selvagem e será capaz de sustar o processo de destruição interna da União. 

Bárbara Spinelli – jornalista e filha de Altiero Spinelli, um dos sonhadores e fundadores da União Europeia.
Conferido nestes dias, o prémio é singular. Quase parece que se use a ironia, embora dificilmente imaginamos um júri irónico. É como se não selasse um progresso, mas indicasse como nos arriscamos a perdê-lo. Mostra o que a Europa tem querido ser, não o é ainda ou já o não é. Os choques sobre o euro, a Grécia transformada num bode expiatório, o peso anormal de um único Estado, (Alemanha): não é a união à qual se aspirou por decénios, mas uma construção que se desconstrói e recua, em vez de completar-se.

Um prémio como este não se recebe somente. Deve ser meditado, interrogado como na Grécia antiga se interpelava o oráculo de Delfos. Tanto mais que a resposta do oráculo nunca mudou através dos séculos: conhece-te a ti mesmo, repetirá. Conhece as traições das promessas iniciais e o ridículo das tuas apoteoses. Experimenta compreender por que razão a União Europeia já não desperta esperanças, mas desconfianças, medo e, por vezes, repulsa.

“O peso anormal de um único Estado (Alemanha)” mais uma vez se impôs na cimeira de sexta-feira passada, exclusivamente por interesses internos, e mais uma vez a UE “se desconstrói e recua”. Também aqui, pergunto: alguém pode refutar esta evidência?

segunda-feira, outubro 15, 2012

A SÍNDROME DE PAS


                           Leonardo transportado fora da escola 
                      
Mas o que será esta síndrome PAS?
Para circunstâncias ou fenómenos que por vezes são bem explicáveis, óbvios, há sempre quem engendre uma síndrome que os enquadra e classifica. E assim se chegou à síndrome PAS: Parental Alienation Syndrom (Síndrome de Alienação Parental) que se sintetiza facilmente:
Uma criança filha de pais separados, confiada a um deles (pai ou mãe), usada como arma de vingança de um cônjuge contra o outro, sofre de alienação parental, pois recusa-se a ver ou visitar um dos pais com quem não convive. Alienado pelo alienante que o manipula.

Trata-se de uma “doença” que, segundo várias opiniões idóneas, “é praticamente desconhecida em medicina, ausente dos livros de texto, nunca comprovada nem demonstrada”. Inventou-a um americano, Richard A. Gardner, também conhecido por ter expresso opiniões apologéticas da pedofilia.
Chamar "doença" à infelicidade de uma criança, vítima da irracionalidade ou desaire dos pais e classificá-la como uma síndrome, as perplexidades são muitas.

Este prâmbulo serve para introduzir a descrição de um episódio, verdadeiramente chocante, que ocorreu a semana passada numa escola dos arredores de Pádua. 
Foi filmado e todo o país ficou horrorizado com o que viu na televisão e leu o que os jornais descreveram.

Um rapazinho de 10 anos, Leonardo, filho de pais separados (quando tinha apenas dois anos), foi confiado à mãe. A guerra entre os cônjuges rebentou, porque a criança recusava-se a passar com o pai o tempo que fora estabelecido.
Nesta “guerrilha” desde 2006, em Julho passado o Tribunal de Menores de segunda instância determinou que o pequeno deveria ser entregue ao pai, culpando a mãe da relutância da criança em relação à figura paterna. Antes, porém, o Leonardo teria de permanecer numa casa-família até que os seus sentimentos de hostilidade se reorganizassem – a “decantação dos sentimentos do filho”, conforme se expressou o pai do Leonardo, um ilustre advogado!...  

A mãe e relativos familiares esforçaram-se por criar obstáculos, a fim de reter o filho. Este, por sua vez, quando pressentia que vinham executar a ordem do tribunal, refugiava-se debaixo da cama, agarrando-se à rede. A polícia ou carabineiros, acompanhados pela assistente social, viam as mãozinhas do menino, viravam costas e iam-se embora, pois faltava-lhes a coragem para arrebatá-lo do seu ambiente e afectos.

À terceira intervenção, decidiu-se enviar a polícia, acompanhada pelo pai, à escola frequentada pelo Leonardo e, aí, executar a sentença.
A directora da escola mandou sair da aula todas as outras crianças, excepto o infeliz menino. Intervieram da uma maneira onde predominou o autoritarismo e a directora nada pode fazer.
Levaram-no, ele rebelou-se, gritou, esperneou e, com o auxílio do pai, agarraram-no pelos braços e pernas, arrastaram-no e lá conseguiram metê-lo no automóvel - ver foto. Aquela “coisa” deveria ser entregue, segundo as ordens, embora o tribunal tivesse recomendado que tudo fosse feito com a máxima discrição.
A direcção da escola procurou evitar que os alunos assistissem ao que se passava, mas estes viram perfeitamente o Leonardo a ser “capturado” e afastado da sua escola.
Abstenho-me de expressar comentários, tão absurdo me parece tudo o que aconteceu, embora seja corrente o maldito hábito de cônjuges separados servirem-se dos filhos para retaliações mesquinhas e cruéis.

Com acima explico, o vídeo desta cena foi projectado repetidas vezes. A onda de choque foi enorme; o Governo pediu desculpa, assim como o chefe da polícia; decorrem inquéritos.
E o Leonardo? Descrito como bom aluna a matemática, italiano e geografia, brinca com os seus novos companheiros, receia os adultos e refugia-se na escrita.
Eis o resumo de uma sua composição: “A oliveira é uma árvore que nunca perde as folhas, mas quando chegou o frio, achou-se diversa. As outras perdiam as folhas e ela sempre verde e frondosa. Sentia-se só. Decidiu sacudi-las. Foi uma escolha corajosa, mas que a não ajudou. Ajudou-a uma árvore pequena que foi plantada ao lado. No início não se entendiam, mas falando, falando, com o tempo tornaram-se amigos e assim superaram o Outono”.

Penso que será Leonardo a superar a obtusidade e cegueira dos pais, a rudeza de quem executa mandados, a parvoíce de certas leis. E que Deus o ajude a erguer este monumento ao bom senso.

segunda-feira, outubro 08, 2012

“O MELHOR POVO DO MUNDO”

Sinto-me muito satisfeita de pertencer a este “melhor povo do mundo”. Povo de santos e poetas; de navegadores e bons arquitectos; de gente de trabalho e de considerável adaptabilidade às vicissitudes; povo de ases do futebol e de prestigiados intérpretes do fado… enfim, povo de tantas outras características que o identificam.

Existe um factor, todavia, que dificulta a preservação, consolidação e imposição, no mundo moderno, de todo este património e aquilo de que este mesmo povo seria capaz, se tivesse bons timoneiros.

Assim, somos o melhor povo do mundo – seja perdoado o exagero – com uma grande desvantagem: somos o povo de um país que se tornou estéril e que se vê incapaz de parturir autênticos servidores do Estado.
Como sucedâneo desta incapacidade, surgem os arremedos e os oportunistas.

Este mal parece ser comum a muitos países. Nesta nossa linda Terra, porém, assume, por vezes, o aspecto de uma calamidade. Quanta pequenez nos cabe votar e quantas esperanças traídas e arrasadas!

Pensei nesta desalentadora esterilidade, sexta-feira passada. Comemorou-se o 102.º aniversário da Implantação da República. Deveria ser uma festa de todo este “melhor povo do mundo”. Mas o espectáculo que nos ofereceram foi um palco e uma plateia ocupados apenas por alguns ilustres representantes da casta que maneja a coisa pública.

O Presidente da República, alérgico aos protestos e vaias, recomendou um recinto limitado. Covardia institucionalizada?
O Primeiro-Ministro, ausente, crendo-se indispensável em Bratislava e Malta, delegou esta”honra” no Ministro da Defesa, Pedro Aguiar-Branco.
Um espectáculo digno dos tais arremedos que o destino nos reservou.

É curioso que Passos Coelho sempre se esquivou a encontros similares com os seus homólogos do sul da Europa, promovidos, repetidas vezes, por Mário Monti. Ei-lo, agora, muito interessado na cimeira eslovaca e, de seguida, a de Malta.

Vejo a sua ausência na comemoração do cinco de Outubro como a atitude de um inconsequente que se estriba sob responsabilidades mais de espectáculo que de político que deveria ponderar bem as suas acções. Se assim não fosse, por que desertou os encontros precedentes a que acima me refiro e nos quais o nosso país deveria estar verdadeiramente interessado? Por que os evitou e a quem receava desagradar?

Deve-se um natural respeito ao primeiro-ministro do próprio país, obviamente. É muito difícil aceitar, portanto, titulares medíocres, inadequados e impreparados. Mais difícil ainda, quando se demonstram petulantes, mas sem aquele mínimo de cultura política, académica e histórica, além da escassez de uma experiencia de vida eticamente assimilada, necessárias para robustecer a noção de responsabilidade e a sageza indispensável para gerir assuntos de Estado. Gente com estas falhas jamais deveria ser eleita para altos cargos institucionais. Sonho o impossível? Talvez.

De novo, exprimo um pensamento que me assedia: não teremos, neste Portugal Continental e Insular, um Mário Monti que nos imponha na Europa e nos conduza, neste mar encapelado da dívida e do desequilíbrio financeiro, a um porto seguro? Existirá? Ai, Deus, e u é?
Certamente que não me apelo a um governo técnico, mas a um protótipo Monti.  

Que triste fado o nosso! Quando mais necessitaríamos de dirigentes dotados de grande intuito político e administrativo; quanto mais desesperadamente invocamos pessoas com rasgo, coragem, inteligência e dignidade que nos afastem do precipício, que verificamos? Um primeiro-ministro impreparado; um Ministro-Adjunto dos Assuntos Parlamentares inapresentável; um Paulo Portas que diz e não diz e vai tergiversando, ao arrepio da coerência e dignidade; um Presidente da República que mais se assemelha a um catequista que profere liçõezinhas do bem-fazer do que à mais alta instituição do Estado de quem se esperaria mensagens fortes, profundas, empolgantes e, por conseguinte, um ponto de referência firme, indiscutível e atento. 
Mas não dizem que a esperança é a última a morrer? Pois então, alimentemo-la, instantemente, com bom senso e convicções sadias.

Maria João Avilez, num artigo do jornal Público de ontem, alvitra um “compromisso histórico” entre os “três partidos democráticos”. Estou perfeitamente de acordo. E se bom senso e convicções sadias desabrocham na maioria desses partidos, que ponham de lado capelinhas ou confrarias e dediquem-se, uma vez por todas e denodadamente, ao país em agonia.

Esta expressão “compromisso histórico” (compromesso storico) nasceu na Itália, nos anos 70. Proposta por Enrico Berlinguer - secretário do PC - à Democracia Cristã, originou muitas resistências, de um lado e do outro.
Custou a vida a Aldo Moro, raptado e assassinado pelas Brigadas Vermelhas.
A ideia continha boas intenções, mas intragável para conservadorismos e extremismos da direita e da esquerda.

segunda-feira, outubro 01, 2012

DEPRIMENTE!

Sobre a crise que persiste e cujos efeitos nos angustia, lêem-se opiniões eruditas, sérias e profundas análises, múltiplas explicações, debates capazes de captar interesse e aclarar razões até então nebulosas. Todavia, recapitulando todas essas leituras, que certezas se obtêm?
Para iniciar, uma certeza que já na semana passada ficou bem patente na entrevista a Zygmunt Bauman e que traduzi neste blogue: a ditadura da casta económico-financeira e o aviltamento da política.

Como consequência deste aviltamento, surgiu:
A «internacional dos capitalistas», uma elite global que concentra em si um poder imenso. Efectivamente, é bem noto que, em Wall Street, os dirigentes dos grandes bancos e das sociedades financeiras se reúnem periodicamente a fim de estabelecer as taxas de juros e, através das decisões de investimento ou de desinvestimento, podem subtrair a confiança aos governos que actuam políticas incómodas. Estão em posição de condicionar o destino de inteiras populações”. [...] 
"Às mil explicações da crise, nós acrescentamos uma outra: a liberalização do movimento dos capitais que, no início dos anos 80, pôs fim ao grande compromisso de Bretton Woods, fundado, precisamente, sobre a proibição de circulação de capitais à qual servia de contrapesa a liberdade de circulação das mercadorias”Giorgio Ruffolo e Stefano Sylos Labini.

As opiniões, expressas de uma maneira clara ou menos clara, são quase unânimes. Não são as dívidas soberanas ou privadas as causadoras da grande onda de desemprego e falências que assolam os países endividados, mas a política que não sabe ou não quer opor-se a este estado de coisas, criando regras bem explícitas e básicas a nível mundial, contra as corridas desenfreadas dos capitais. De caminho, estabelecer normas justas para a selvagem deslocalização das empresas.
Estas correm e saltitam de um lado para o outro, atrás da mão-de-obra barata, assim como de convenientes ajudas financeiras e fiscais, cinicamente indiferentes a centenas ou milhares de pessoas que ficarão sem emprego. Lucros e dividendos, dividendos e lucros: o estribilho da ganância incontrolada, no mundo que hoje conhecemos.

Voltando ao aviltamento da política, pois não sei que outro nome dar a uma falta de visão e coragem para enfrentar este capitalismo vazio de criatividade e humanidade, inevitavelmente o pensamento corre para a confiança que temos na classe política. Na Itália está nos 4%; e aqui em Portugal?

As minhas cogitações, relativamente a este argumento, giram sempre à volta da idoneidade e, sobretudo, da isenção de quem está no Governo ou de quem, no Parlamento, deve decidir sobre a coisa pública. E a minha pergunta constante é esta: é admissível que pessoas ligadas aos grandes e pequenos interesses – clara ou ocultamente - possam ocupar-se de políticas vitais para o bem comum?
É também admissível que, abandonando a actividade política, imediatamente assumam altos cargos em grandes empresas, passem a consultores das mesmas ou algo parecido? Como é possível crer na isenção desta gente?!

Partindo desta premissa, não é difícil concluir, com amargura, que a política jamais vencerá a crise se não se desligar desta quinta coluna do  capitalismo financeiro e de outros poderes, quando indiferentes ou até contrários à prática de uma política sã e objectiva.
Como política sã e objectiva eu entendo a que vigia equitativamente o bem-estar social e, paralelamente, encoraja o bom andamento de um capitalismo que dá trabalho e respeita a dignidade do mesmo; produz e inova para atingir uma competitividade indispensável; que é um convicto partidário da concertação social e não olha com desdém para as classes sociais menos favorecidas. A este propósito, considere-se, como exemplo repulsivo, a mentalidade política do candidato republicano às próximas eleições presidenciais nos EUA.

É deprimente, hoje, verificar as tergiversações da política da União Europeia que dá um passo à frente e outro atrás. Onde há países-membros que tudo fazem para prolongar o impasse. Com este ritmo e esta cegueira, aonde chegaremos?

É deprimente observar a actual governação portuguesa e não sabermos qual é a sua maior preocupação: o bem geral e o resgate do país ou a de não incomodar a constante plêiade de interesses instalados?

É deprimente ver uma grande percentagem de políticos - quer no Governo, quer no Parlamento - sem grande preparação cultural e sem jamais ter cultivado a concepção que Lincoln resumiu de uma forma excelsa: “que o governo do povo, pelo povo, para o povo jamais desapareça da face da terra.” Permito-me acrescentar: e que esteja sempre presente na mente de quem tem ambições políticas.

Enquanto não houver mudança de mentalidade e os sérios, verdadeiros políticos não se impuserem, a “Internacional dos capitalistas financeiros” e os poderes paralelos ao Estado podem estar tranquilos, porque a política jamais os incomodará.