domingo, outubro 30, 2005

SPOILS SYSTEM

Os dicionários que registam “spoils system” dão-lhe este significado: "apropriação dos cargos e dos lugares de poder pelo partido que venceu num confronto eleitoral".

A origem desta expressão é que não me parece muito ortodoxa para quem defende e aplica esse princípio.

Deriva de um discurso proferido por um senador, diplomata e ex-militar americano, William Learned Marcy, por volta de 1831. Nesse discurso, afirmou: “Os despojos do inimigo pertencem a quem sai vencedor”. Isto é, a pilhagem é lícita.

Ora bem, usar o termo “pilhagem”, nos costumes políticos modernos, não se deve. Não é elegante, não é “politically correct” (ao menos uma vez, usemos esta abusada e pedantíssima locução) nem apropriado. Tanto mais que, na justificação de quem aplica o spoils system, trata-se apenas de colocar, nos lugares de prestígio (e lucrativos para quem os irá ocupar), pessoas da “sua confiança política”.

Entendo que “lugares de confiança política” merecem uma interpretação, de modo a que os “populares” compreendam melhor o sentido da frase. Abro um parêntesis: na linguagem telejornalística, o vocábulo “populares” refere-se a nós, gente anónima.

"Lugares de confiança política” significa: põe-te de lado, que chegou a nossa vez; tende paciência, mas agora toca aos nossos.
Além desta, existe outra interpretação, e talvez a mais importante: o prémio aos amigos, aos apoiantes esforçados, aos afilhados dos apoiantes…etc., etc., etc. Deixa-se lugar à imaginação.
Tudo isto é feito com a maior desenvoltura, sem o mínimo pudor ou preocupação pelos gastos – com dinheiro público - de prováveis indemnizações.

Certamente que algumas destas nomeações – e agora sem ironia – são excelentes. Não obstante, por que razão não se manda para as ortigas este péssimo, indecente costume e não se instala o princípio da competência, imparcialidade e respeito por aqueles funcionários que dão, ou deram, prova de óptimos serviços na administração da coisa pública, tenham lá a cor política que tiverem?
Alda Maia


sábado, outubro 29, 2005

AINDA A PROPÓSITO DE “CARAS DE BRONZE”

Sílvio Berlusconi, o indefectível amigo e aliado de George Bush, afirmou, numa entrevista exclusiva ao canal televisivo “La 7”, que jamais quis a guerra no Iraque.

“Eu nunca estive convencido que a guerra fosse o sistema melhor para que se criasse um país democrático e fazê-lo sair de uma ditadura sanguinária”
“Tentei encontrar outras vias e outras soluções, mesmo através de uma actividade conjunta
com Kheddafi. Não conseguimos e deu-se a operação militar. Sustentei que se deveria evitar esta intervenção militar”.
Recolho estas asserções do jornal La Repubblica, visto que a minha parabólica não apanha “La 7 “.

O Sr. Berlusconi, em qualquer viagem imaginária para Damasco, foi trespassado pela fulguração do bom senso!...
Bom senso?!! Não, apenas oportunismo eleitoral, visto que os reveses daquela desastrosa aventura são cada vez mais pesados, não lhes vê o fim e não sabe como retirar, airosamente, e antes das eleiçôes, o contingente italiano. Ou então, já que o amigo Bush está em maus lençóis, salve-se quem puder!

Quantos discursos inflamados sobre a oportunidade e legitimidade da guerra no Iraque se ouviram, quer da autoria de Berlusconi, quer dos seus aliados no governo!
Quanta indignação, e até mesmo insultos, contra quem severamente condenava essa guerra e criticava a intervenção de tropas italianas!

Mas surge, agora, esta “nobre” confissão do grande malabarista da política que é il Signor Berlusconi! O único comentário que me ocorre, e não pode ser outro senão este: grande faccia di bronzo!!! Aliás, sempre o foi.

Nessa mesma entrevista, assevera: “Tony Blair não é o líder da “Oliveira” mundial. Não há nada na política de Blair que esteja em contraste com a política de Sílvio Berlusconi”.
Eu, no lugar de Tony Blair, mandar-lhe-ia duas testemunhas para um duelo reparador.
Alda Maia













quinta-feira, outubro 27, 2005

“O DILEMA PORTUGUÊS”
( IL Dilemma Portoghese”)

Este é o título de um artigo de Francesco Giavazzi publicado, hoje, no “Corriere della Sera”.
Como é raro que se fale do nosso País nos jornais italianos, pelo menos naqueles que leio com mais frequência, à vista deste título, obviamente dei-lhe a máxima atenção.

Traduzo algumas partes, sobretudo aquelas que achei mais interessantes.

…“Tendo abandonado o escudo pelo euro, resolveram-se muitas dúvidas e, de um dia para o outro, os portugueses tiveram acesso a um crédito quase ilimitado. Usaram-no, não para investir e aumentar a produtividade, mas para dilatar o consumo, quer das famílias, quer, sobretudo, a despesa pública. Depois de alguns anos felizes e um pouco irresponsáveis, Portugal, hoje, encontra-se numa situação muito difícil - a mais difícil entre os países da união monetária. O aumento do consumismo, combinado com a escassa concorrência, principalmente nos serviços, manteve a inflação alta – quase o dobro da que se verifica no resto da Europa.”
“Em sete anos, os preços cresceram de 25%, os salários de 35%; o poder de compra dos trabalhadores cresceu 10%. Todavia, a produtividade não obteve nenhum progresso.”
(…) Entretanto, o custo do trabalho deve restituir os 10% que, até hoje, não é justificado
por aumentos de produtividade”
Uma redução dos salários poderia verificar-se somente em dois modos: esperando que o desemprego suba e meta em dificuldade os trabalhadores e sindicatos; ou, então, fazendo descer os preços de maneira que a redução das retribuições nominais não comporte um corte no poder de compra dos trabalhadores”.
“Se assim não suceder, o único caminho de saída será um longo período de desemprego”.

Depois de ter lido este artigo e pensando nas greves destes últimos dias, o único sentimento que provo é a desolação. Como é possível toda esta inconsciência, egoísmo e petulância? E digo petulância, precisamente porque se verifica em cidadãos com uma instrução média ou alta.
Os senhores magistrados até se deram ao incómodo de apresentar um protesto ao representante do secretário-geral da ONU: em Portugal atenta-se à independência da Magistratura!!!!... É incrível!
Não é só ridículo, mas penoso ter de testemunharmos uma queda tão desastrosa de estilo de uma das principais instituições do Estado!
Alda Maia





sábado, outubro 08, 2005

INGERÊNCIAS DO VATICANO NA POLÍTICA ITALIANA

No jornal La Repubblica, de 30 de Setembro, um editorial de Eugénio Scalfari (fundador deste quotidiano), saiu com o título: “Por qual razão o Cardeal Ruini não se torna senador?”

Trata-se de um artigo, muito severo, sobre a ingerência, cada vez mais acentuada e frequente, da Igreja Católica nas decisões políticas italianas.

Depois de defender a missão da Igreja e o direito que esta tem de expressar e difundir a doutrina, princípios e pontos de vista do seu apostolado, a um certo ponto, Eugénio Scalfari escreve: “Se os seus bispos entram no âmago da política (o que lhes é vedado), prescrevendo a abstenção do voto num referendo, indicando os modos da articulação das leis, declarando a inconstitucionalidade de outras, censurando actos jurídicos como as escutas telefónicas dispostas pelos Procuradores da República, afixando cartazes de propaganda nas igrejas relativamente a participação ou abstenção de referendos e deixando ali esses cartazes mesmo no dia das votações (…) O melhor, então, é vê-los sentados nos bancos da Câmara ou do Senado”(...)

O Cardeal Camillo Ruini é o presidente da Conferência Episcopal Italiana e a personagem que mais se tem evidenciado no autoritarismo doutrinário. No que concerne ao referendo sobre a procriação medicamente assistida, de Fevereiro passado, decretou que não seria um bom católico quem fosse votar. Não se esforçou por explicar e rebater a doutrina da Igreja católica e confiar na firmeza desses princípios. Achou mais seguro impor a abstenção!...

Ultimamente, Romano Prodi, o líder da oposição e fervente católico, anunciou que, no caso de vitória nas próximas eleições, apresentaria uma lei que salvaguardasse os direitos das uniões de facto, heterossexuais e homossexuais: PACS - pacto civil de solidariedade.
Começando pelo “Oservatore Romano”, onde se lia, pouco elegantemente, que Romano Prodi, "para obter votos, não se importava de lacerar a família", seguiram-se-lhe os brados do clero conservador. Muito pouco apostólicos e intransigentemente impositivos. Vejamos.
Não se admitem matrimónios de série B; na constituição está clara a referência e defesa de uniões de pessoas de sexo diferente, portanto há um só matrimónio e sacro; a política deve pensar na verdadeira família; os católicos que votam estas leis cometem pecado mortal, etc., etc., etc.

Quando se alude à homossexualidade, a Igreja entra em paranóia. Mais correctamente, não a Igreja, mas os homens que a representam. O cristianismo, para eles, transfigurou-se em formulário de intransigências.

Compreensão, caridade, tolerância, diálogo, amor ao próximo, o respeito pelas convicções discordantes, todos estas concepções, onde é que a Igreja Católica as coloca?!

Penso que o “pacto civil de solidariedade” não é somente oportuno, mas também índice de grande civismo. Não tem nada que ver com matrimónios homossexuais nem com matrimónios de série B; apenas garantem direitos que espelham humanidade, abolindo discriminações e sem prejudicar, minimamente, o conceito de família.

Em toda esta polémica, o que mais me atingiu foi a indecorosa - além da falta de sentido da autoridade e independência de um estado laico - daqueles políticos que, servilmente e com um oportunismo despudorado, atacaram Romano Prodi e o centro-esquerda.
Aplaudiram o Cardeal Ruini, não por convicção, pois sabe-se de sobejo, e salvo raras excepções, que são uns consumados hipócritas; não com o escopo de alimentar um correcto diálogo com a Igreja, o que seria sempre aconselhável (um bom entendimento de “uma livre igreja num estado livre”); simplesmente, e como único fim, a captação dos votos católicos! Nauseantes!

Divertiu-me, sobremaneira, o fervor de Casini, Presidente da Câmara dos Deputados e aliado de Berlusconi, a defender a sacralidade da Família – a família como a entende a Igreja Católica, esclareça-se.
Ora bem, este senhor é divorciado, casado de novo e com prole da segunda mulher. Na minha opinião, e na opinião corrente, a sua situação é perfeitamente normal e correcta. Mas perante o conceito sacramental de família do Vaticano??...
É já um lugar-comum afirmá-lo, porém, a cara de grande parte da gente política é mesmo de lata! Autentiche facce di bronzo!!! (autênticas caras de bronze, expressão muito italiana).
Alda Maia